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O SOFRIDO TEMPO NO DIREITO PROCESSUAL PENAL


Todo o acusado sofre com o tempo subjetivo antes de seu julgamento, o que é uma grave violação aos Direitos Humanos, eis que flagrante o ferimento a sua integridade psico-emocional e ao binômio segurança-efetividade, como se verá neste trabalho, e por se tratar de constrangimento ilegal.


O modus vivendi do acusado tem sido absurdamente alterado com a demora estatal do Poder Judiciário!


Certo é que a Emenda Constitucional (EC) nº 45 inseriu no inc. LXXVIII do art. 5º da Carta Magna o Princípio da Duração Razoável do Processo. Tal princípio não está direcionado apenas para o Processo Civil, mas também para o Processo Penal. No que se refere ao Processo Penal impõe-se analisar o tempo não só pelo lado objetivo, mas, principalmente, pela ótica do tempo subjetivo, pois o indiciado/acusado, enquanto responde tanto ao inquérito quanto ao processo, tem as suas emoções afetadas pelo simples fato de estar envolvido num procedimento processual penal. A gênese de tal situação é devida à liberdade de imprensa, abonada pelo Princípio da Publicidade, o que faz com que o indiciado/acusado seja julgado pela justiça midiática, sujeito, assim, a julgamento paralelo.


Importante destacar que o direito à informação não é absoluto e pode ceder espaço a outros valores fundamentais também protegidos constitucionalmente, no caso, a imagem e a dignidade de uma pessoa.


O tempo sempre esteve presente em tudo o que o homem faz. Nada escapa ao tempo. Até mesmo no campo do processo ele é cogitado como questão relevante: a duração do mesmo processo.


É no campo processual penal, pois, que a duração do processo merece o seu destaque, pois é nele que se debate acerca de um bem jurídico precioso: a liberdade física, a liberdade de ir e vir.


O tempo processual, no entanto, não pode ser analisado apenas pelo aspecto da sua objetividade, de contagem de dias, meses e anos. Ele deve ser analisado também pela ótica da consciência do acusado, do estado psicológico do mesmo, pela ótica da subjetividade dele.


Ao que se nota, pois, o tempo tem a sua relevância jurídica na esfera processual. É ele, o tempo, que tanta aflição causa aos acusados no processo penal: seja no momento em que passam a cumprir as suas penas, seja enquanto esperam a decisão do processo.


É necessário mostrar, também, que o tempo, além do aspecto da demora do processo, interfere também num outro ponto da vida do homem: na sua psique. Enquanto se preocupava antes com o tempo no aspecto da sua duração, e ainda se preocupa, agora deve haver preocupação também com o tempo no aspecto dos seus efeitos negativos, segundo ensina Sebastião Raul Moura Júnior em “O tempo subjetivo e as emoções negativas na duração do processo penal”[1]. Ou seja, não basta apenas o lapso temporal adequado e compatível com a realidade do caso concreto[2], deve-se analisar, também, o aspecto subjetivo do acusado, o que só será possível através de uma mentalidade nova e sensível de um julgador engajado nas causas que lhe são postas. Equivale dizer: a preocupação passa a ser na construção da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA numa perspectiva holística, ou seja, tomando em consideração a integridade psico-emocional do acusado. Noutras palavras, “não cabe mais indagar qual é ou seria o tempo razoável para a duração do processo, mas sim se esse tempo, ainda que razoável, preserva, respeita, em toda a sua plenitude, a Dignidade da Pessoa Humana”, segundo Sebastião Raul Moura Júnior[3]. E caberá ao magistrado essa análise, podendo contar, também, com a ajuda de profissionais da área psiquiátrica, psicológica e social para bem melhor decidir sobre o resultado do tempo na consciência do acusado.


Como leciona Ana Messuti[4], ao escrever sobre o tempo como pena, ela esclarece que o tempo é experimentado na consciência do sujeito que a vive. Ela diz que a pena tem a sua terceira dimensão temporal: a do lado subjetivo, o tempo da consciência.


Ela ainda diz:


Se compreendemos bem o que significa, por exemplo, “viver o tempo”, nos damos conta de que cada pessoa vive um tempo comum, que pode compreender, mas vive também o seu próprio tempo, um tempo intraduzível, que sente por si mesma, assim como uma fome que só ela experimenta, uma vida que só ela vive e uma morte que só ela morre... ninguém pode substituir o outro nesta experiência nossa e, simultaneamente, de cada um.


Portanto, o resultado do tempo para cada pessoa é individual, porque o que “eu julgo ser sofrido pode não ser para você”. O tempo sofrido por cada ser humano num processo penal é diferente. Para determinada pessoa, por exemplo, o seu tempo processual sofrido até a sentença absolutória, talvez não tenha sido de tantas preocupações como o de outro acusado - que tanto necessita de seu trabalho para sobreviver e sustentar sua família -, eis que essa emoção é relativa; dependerá de cada pessoa! De qualquer forma, o Estado pode alterar por antecipação a vida, o cotidiano, o modus vivendi do acusado, antes mesmo da sentença penal condenatória transitada em julgado?


Ele (o tempo) é quem informa o binômio segurança-efetividade que, por sua vez, inspira o direito processual como um todo.


Importante lembrar, também, que o fluxo do tempo no Processo Penal tem especial significação em vários campos, como o da prova, por exemplo. A determinação do momento em que um fato ocorreu é possível através de provas técnico-científicas. Já as testemunhas dificilmente guardam uniformidade de registro mental sobre o tempo de ocorrência do evento, bem como sobre as suas circunstâncias.


Logo, o tempo é relativo à posição e velocidade do observador, mas também a determinados estados mentais do sujeito, como exterioriza Einstein, segundo asseveram Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró[5] na clássica explicação que deu sobre essa relatividade:


quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. - Isso é relatividade.


Assim, correto é afirmar, na perspectiva da relatividade, que o tempo pode ser objetivo e subjetivo, devendo ser destacado que este tem a sua percepção e a sua dinâmica de forma completamente diversa para cada observador, conforme Badaró[6], porque é no tempo subjetivo, no tempo da consciência do acusado, que se registram os sentimentos negativos, as emoções que o constrangem quando suporta a persecução penal. No espaço temporal que medeia entre o dia do suposto crime e a data da sentença penal condenatória ou absolutória há um momento tormentoso vivido pelo acusado, sendo de se destacar que não raras vezes referido tempo se extrapola e acentua o tormento mencionado.


Não só o tempo objetivo da duração da persecução penal resulta em consequencias que constranjam o acusado, mas é no tempo da consciência dele, no tempo subjetivo, que ele sofre reflexos danosos. É neste ponto, neste aspecto que se pode dizer que há afronta à DIGNIDADE HUMANA. O acusado sofre duas vezes, pois suporta inúmeras emoções negativas, tais como medo, ansiedade, etc.


O certo, repita-se, é que um processo não pode ser encarado apenas pelo aspecto da sua objetividade. Ele tem vida! Ele pulsa! Ele se desenvolve através de pessoas: a que representa a acusação; a que personifica a defesa; e a do juiz, que irá decidir. Ele é uma relação jurídica.


Evidentemente não são julgadas as emoções, os sentimentos de cada qual, mas deve ser registrado que ele, o processo, não pode ter o simples enfoque do procedimento de forma fria e indiferente. No mínimo, as emoções são sentidas. Essas emoções, por seu turno, viola a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.


É a conexão que se estabelece entre as ditas emoções negativas, especificamente no Processo Penal, que se configuram como atentatórias à Dignidade do acusado. Frisando que, a afronta à Dignidade do acusado existe pelo simples fato do processo, que já é constrangedor por si mesmo, mas se acentua em razão de uma duração indevida desse mesmo processo, tendo como pano de fundo as emoções negativas.


O medo e a depressão fazem parte das emoções negativas. Outro aspecto relevante enfrentado pelo acusado durante o aguardo de sua sentença final é o lançamento de seu nome na folha de antecedentes. Ele nem sequer foi condenado; foi apenas indiciado num inquérito policial e o seu nome consta como incurso nas penas do artigo tal do Código Penal! Certo, pois, que existem consequencias nefastas em tal procedimento! São muitas, a começar pela dificuldade de trabalho, principalmente num país onde a massa de desempregados é grande! E a descrença, a falta de confiança em alguém que responde a um processo, ainda que as suas chances de absolvição sejam muitas, é total!


Destarte que, quando o então agente da conduta criminosa passa da condição de acusado para a de condenado, e, por conseguinte a cumprir a pena, ele já sofreu as dores morais do seu ato. O confinamento na cela, como retribuição ao crime praticado e como exercício do direito de punir do Estado, na verdade significa que o sistema prisional já recebe o homem completamente debilitado moralmente pelo enfrentamento das emoções negativas acima destacadas.


Não parece, portanto, que o Estado tem legitimidade, no exercício do seu jus puniendi, para infligir a todos os acusados momentos angustiantes antes da concretização da pena na sentença penal condenatória. Não se pode perder de vista que uma das possibilidades de resultado de um processo penal é a absolvição e é justamente por causa dessa possibilidade que se devem encontrar cautelas para que o constrangimento do próprio processo não ultrapasse o seu limite mesmo!


É inadmissível a exclusão social do acusado sem que seja considerado culpado por sentença transitada em julgado (art. 5º, inc. LVII, CF/88), porque nas democracias todos são sujeitos de direitos. Não perde essa qualidade o acusado para se transformar em objeto processual. É uma pessoa, inserida entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, CF/88)[7], merecendo exercer sua profissão sem os percalços do processo e da imprensa.


Assim, verifica-se que o Estado, mesmo exercitando de forma legítima o seu jus puniendi, dá causa, via imprensa, chancelada constitucionalmente pelo Princípio da Publicidade, a que a Dignidade Humana seja afetada, quando a aludida imprensa faz prejulgamentos do indiciado/acusado, além de lançá-lo ao crivo da opinião pública, principalmente com a internet. É o mesmo que transferir para alguém sem a devida competência dito julgamento. O Estado não pode permitir que o indiciado/acusado se curve a um duplo julgamento. Um é legítimo; o outro não.


Na medida em que isso ocorre, qualquer que seja o tempo objetivo da persecução penal, tal compromete sobremaneira a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, máxime em se considerando que o tempo da duração também deve ser analisado pelo ângulo subjetivo, não podendo ser reputado como legítimo esse posicionamento, pois que as emoções negativas já ventiladas só encontrariam (e devem na verdade encontrar) legitimidade no poder de punir no exato limite temporal da aplicação da pena. É no tempo da pena, como objetivo maior do poder de punir, que tais emoções encontrariam seu lugar, se ocorressem. Antes disso seria um duplo castigo!


A publicidade opera como gênese das várias emoções negativas enfrentadas pelo acusado num processo penal! E não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo[8].


Nos dias atuais se mostra cada vez mais distorcida a função básica de controle que a publicidade busca. Na verdade, o que se obtém com a publicidade é a possibilidade de cometimento de injustiças, inclusive o bis in idem, pois, o acusado sofre por responder a um processo e sofre por ser “julgado” pela população antes que advenha a pena no Processo Penal. Há, assim, uma dupla punição.


Quando a Constituição determina que todos os atos processuais devem ser públicos não está querendo dizer que o Judiciário vá cuidar da divulgação de tais atos, mas sim que permite, que não restringe, a divulgação dos mesmos. É a imprensa quem cuida disso, eis que promove o julgamento paralelo do acusado.


O jus puniendi estatal extrapola todos os limites ao punir o acusado com antecedência e ao permitir que a imprensa se arvore em julgadora. É a justiça midiática!

A mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicidade da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade humana”[9].


Restou demonstrado, então, que as emoções negativas acima destacadas têm a sua origem na Liberdade de Imprensa e contribuindo para tanto o Princípio da Publicidade.


Pois bem, na mesma proporção em que se sabe que o Direito Penal, ao tipificar condutas e estabelecer penas, está legitimado sob determinadas condições jurídicas, políticas e institucionais, é bom que se tenha em mente, também, que tal legitimação não pode contrariar os Direitos Humanos. Daí a importância do andamento processual célere (previsão moderna).


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Drª Beatricee Karla Lopes é Advogada Criminalista e Civilista – OAB/ES 15.171; pós-graduada em Penal e Civil; Escritora de Artigos Jurídicos; Membro Imortal da Academia de Letras da Serra-ES; Comendadora Cultural e Membro Imortal da Academia de Letras de São Mateus-ES; Comendadora Cultural da ONG Amigos da Educação e do Clube dos Trovadores Capixabas; Personalidade Cultural de 2017 do 3º Encontro Nacional da Sociedade de Cultura Latina do Brasil; Personalidade Artística e Cultural 2018; colunista da Página Jornalística Censura Zero – www.censurazero.com.br; Poeta; e Escritora Literária. Contato: (27) 9.9504-4747, e-mail: beatriceekarla@hotmail.com, site: beatriceeadv.wixsite.com/biak e Instagram: @direitocensurazero.


[1] MOURA JÚNIOR, Sebastião Raul. O tempo subjetivo e as emoções negativas na duração do processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3462, 23 dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23107>. Acesso em: 2 jan. 2013.


[2] O Supremo Tribunal Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso concreto, atento o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando (HC 107798 PE, Relator Min. AYRES BRITTO, Julgamento: 20/09/2011, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJe-069 DIVULG 09-04-2012 PUBLIC 10-04-2012).


[3] Ibid 1.


[4] MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. Trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 43-44.


[5] LOPES JR. Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 3.


[6] Ibid.


[7] HC 94.408, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-2009, Segunda Turma, DJE de 27-3-2009.


[8] HC 84.409, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-12-2004, Segunda Turma, DJ de 19-8-2005.


[9] HC 82.969, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-9-2003, Segunda Turma, DJ de 17-10-2003.

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